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>> Colunistas > Benedicto Cohen (Bene) Sélficos e Xamãs Publicado em: 04 de setembro de 2006, 15:47:23 - Lido 2711 vez(es) Outro dia a gente falou de ego e de Self, e de como o ego inflado tende a se confundir e se identificar com o Self, quando na verdade estas são duas coisas muito diferentes. Quando nascemos, o Self é tudo que existe - é como uma partícula divina que tivesse encarnado aqui na terra, trazendo consigo conhecimentos e poderes que vão bem além de nós mesmos como simples 'personas'. Com o tempo, começamos a desenvolver o ego, a parte que costumamos chamar de 'eu', e o Self fica oculto em nosso inconsciente. Quando o ego se identifica erroneamente com o Self, ou seja, quando acha que ele próprio é o Self ou a divindade, dizemos que ele está inflado. Quando o ego quebra a cara por causa disto (e então se afasta radicalmente do Self, cortando quaisquer relações com ele), dizemos que ele se aliena. A coisa acontece em ciclos intermináveis, e este ciclo de inflação-alienação é muito parecido com a roda do sâmsara, onde o sujeito fica sujeito a reencarnar muitas vezes, por falta de evolução ou por persistênca no erro. Como estes dois estados extremos são negativos, a saída então é aprender a separar bem as coisas, e manter um bom canal de comunicação entre o ego e o Self. Aí sim, a coisa toda começa a fazer sentido e o ego pode realmente usar todo o poder e sabedoria do Self, sem cair na armadilha da auto-divinização. Bem parecido com aquilo que os xamãs chamam de 'segunda atenção', não é? Um xamã atuando em 'segunda atenção' nada mais é do que alguém capaz de lidar com e usar conscientemente forças e poderes situados em dimensões superiores de si mesmo, ou até fora de si mesmo, pertencentes ao Poder (que é coletivo, exatamente como o inconsciente arquetípico junguiano...) Mas existem mais analogias entre o processo de individuação e o processo xamânico. Xamã, no sentido antropológico da coisa, quer dizer simplesmente "bruxo, feiticeiro, homem de poder" , independente de raça, local ou condições sociais. Ninguém precisa nascer índio, para virar xamã, nem ser junguiano, para se individuar. Agora, tanto um xamã quanto uma pessoa sélfica sabem que existe 'algo mais vivendo conosco, na mesma casa', e que é uma grande ilusão achar que tudo que existe em nós mesmos é produto de nossa própria criação e assimilação, e limitado ao nosso próprio eu. Sabem também que existem leis, por trás de tudo que é aparentemente casual. Para o homem ligado ao Self, assim como para a criança e o primitivo, o acaso não existe. E aqui, conceitos xamânicos e junguianos começam a se misturar - sem discordar em nada, um do outro... A descrição junguiana transcrita abaixo dá uma boa idéia disto, e basta mudar algumas nomenclaturas, para que o mesmo conceito possa ser aplicado a um caso e outro: "A individuação produz um estágio em que o ego mantém relações com o Self, sem contudo estar identificado com ele. Tal estado permite um diálogo mais ou menos contínuo entre ego e inconsciente... A pessoa começa a perceber que há algo vivendo com ela, na mesma casa... E isto muitas vezes é pressagiado por determinados tipos de sonhos, que põem o sonhador diante de acontecimentos paradoxais ou miraculosos. Estes sonhos abrem uma categoria transpessoal de experiência, que é incomum e estranha à consciência comum"... "O homem comum necessita urgentemente restabelecer um contato significativo com a camada primitiva da psique, voltando-se para o modo primitivo de experiência, que vê a vida como um todo orgânico. Nos sonhos, a imagem de um animal, de um ser primitivo ou de uma criança, normalmente é uma expressão simbólica da fonte de ajuda e cura... Com freqüência, nos contos de fadas, é um animal que mostra a saída de uma dificuldade, ao herói... Através do primitivo e da criança que existe em nós, estabelecemos uma ligação com o Self e nos curamos do estado de alienação..." Trocando 'individuação' por 'impecabilidade', e trocando "Self" por 'Deus' ou por "Poder", estas frases parecem saídas direto da boca de um xamã... E 'en passant', como fica evidente no texto, qualquer semelhança entre os animais conselheiros dos sonho e os animais de poder, não é mera coincidência... E vejam se esta outra frase não descreve direitinho um satóri, ou uma iluminação, nos termos zen-budistas ou yogues: "Para o homem moderno, um encontro consciente com a psique arquetípica autônoma equivale à descoberta de Deus. Depois de passar por esta experiência, ele já não está sozinho em sua psique, e toda sua visão do mundo é alterada..." Mas é bom notar que o texto diz também que embora seja correto usar modos primitivos de experiência no nosso mundo interno, não seria correto aplicá-los em nossas relações com o mundo externo. Uma atitude primitiva em relação ao mundo externo seria sinônimo de superstição e ignorância, mas ser 'primitivo' ou 'mágico' com relação ao mundo interno de nossa psique é sinônimo de sabedoria... Assim, ouvir a voz da intuição, abrir-se humildemente para que o Self deixe cair algumas fichas ou levar a sério os sinais que a vida nos manda e 'recados' dados em sonhos tem muito mais a ver com o Poder e com a Individuação, do que com superstição... Bene -- Benedicto Cohen (Bene) beneluxbr@yahoo.com.br
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