|
>> Colunistas > Lázaro Freire Função evolutiva da tristeza: Mais Platão, menos Prozac (Samba da Benção, Vinícius de Morais) Publicado em: 27 de novembro de 2008, 09:14:54 - Lido 4691 vez(es) --- Em voadores, Rogério Marcus escreveu > > Camilla, citando o Samba da Benção de Vinícius de Morais:
A tristeza é condição reflexiva necessária, que a atual sociedade neurótica dos Anti-Depressivos e Auto-Ajudas tenta sufocar. Tristeza tornou-se algo indesejado, como se o mundo narcisista e hedonista tivesse que ser apenas como a gente quer. Ninguém chega da paranóia (em que quase todos vivemos) à normalidade sem passar por um pouco de depressão. Por isso, digo aos meus pacientes que se vieram a clínica apenas para "sair bem" e confirmarem que "são ótimos", então que procurem um psicólogo, um terapeuta holístico, um livro de Auto-Ajuda, que assistam "The Secret" - e não um psicanalista. Pessoalmente prefiro quando os pacientes saem incomodados - às vezes até chorando, ou discordando do óbvio comigo - mas encarando pela primeira vez alguma deslealdade, o erro interno ou o verdadeiro AUTO-conhecimento que lhe explicaria onde e porquê ELE (e nãõ eu) precisaria mudar algo para não repetir mais seus padrões. Mas quem é que quer saber que aquilo que reclama nos outros reflete algo de si? Quem quer ver o problema nele mesmo, o que o levaria mais tarde a mudar? Preferem terapias fast-food, de preferências com embasamento "mágico" ou "de resultados". E aí, o que ouvimos todos os dias na clínica é: "Ah, doutor, não tem um Prozaczinho aí pra eu tomar? Não dá pra me passar um exercício de Saint Germain para "queimar meu carma" sem trabalho, e pronto? Que tal o senhor usar uma tecniquinha cogintivo-comportamental padrão de umas 4 sessões que - PLIM - mude todas as minhas crenças e comportamentos da noite para o dia, jogando essas coisas incômodas para debaixo do tapete? Afinal, vi na propaganda de refrigerante, o importante é eu "estar feliz" e "ser eu mesmo", seja lá o que isso queira dizer. Só quero curar minha dor de cabeça, e não saber da mediocridade de minha existência... Aliás, me desculpe, mas como já disse, não sou medíocre, eu sou ó-ti-mo! Estou ma-ra-vi-lho-sa, só vim ao seu divã para confirmar meus contatos espirituais, viu, doutor? Eu disse que queria mudar, mas só se não der trabalho, nem me deixar triste por um mês para entender porque minto que não sofro há 10 anos... Vamos deixar essa coisa de mudança pra próxima encarnação? É que nessa aqui eu já estou quase me iluminando, sem precisar sequer me conhecer... (risos) Quero saber o que o SENHOR vai trabalhar na PRÓXIMA sessão!!! (gargalhadas) Vamos fazer assim, daria pro senhor apenas abrir minha clarividência e me dizer que minha aura já está pronta para a iluminação, ou ainda preciso fazer o reiki III?" Pois é, ninguém mais quer ser triste. Melhor projetar a culpa no outro do que ver a causa em nós. E entre tanto récordes de venda de Citalopram e Viagra, de Prozac e de Levitra, nada pode falhar, nada pode interiorizar, e há muito tempo não se faz um "samba" bom. Como diz o título de um livro recente, é tempo de "Mais Platão, menos Prozac". Em outra leitura, Jung também demonstra como os conteúdos de nossa "sombra" psíquica não são necessariamente "negativos", e geram a energia libidinal que move as catarses e inspirações, sobretudo a das grandes criações artísticas. Melanie Klein também demonstra como fugir da posição depressiva em geral é mecanismo de defesa que tenta projetar os próprios problemas nos demais (posição esquizo-paranóide). Portanto, parafraseando Vinícius de Morais, "os maníacos que me desculpem, mas tristeza (também) é fundamental". É preciso por um pouco de amor numa cadência, criando uma "tristeza que balança", bela metáfora do poeta para a energia psíquica ordenada e em sentido produtivo. Um bom "samba" é a sublimação da própria tristeza, portanto, quem nega vê-la em si não chega ao sublime. Como disse Jung, "qualquer árvore cuja copa pretenda tocar os céus precisará ter sólidas raízes que cheguem aos infernos" . Mas observem que não é o culto à melancolia em sim, pois não exclui a necessidade de cadência e balanço interno. Sem um pouco de tristeza, não se faz um samba bom. Porque o samba é a tristeza que age, que balança, e quem é triste tem sempre uma esperança: a de um dia não ser mais triste não, sabendo que é impossível fazê-lo sem se olhar a sombra dentro de si. É preciso amor e tristeza, luz e sombras, cadência e sublimação. Senão, não se individua um samba não. Lázaro Freire Psicanalista Transpessoal / Junguiano -- Lázaro Freire lazarofreire@voadores.com.br
|