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>> Colunistas > Lázaro Freire O Ego é a sombra do Self Publicado em: 14 de outubro de 2008, 02:08:53 - Lido 3690 vez(es) Ultimamente, venho tendo diversos sonhos com minha ânima. Bastante significativos, parecem marcar um momento especial de minha vida. Mas eis que nesta noite, antes de um delicioso encontro (ânima) que ainda saboreio, sou "acordado em sonho" (como numa projeção) por essa frase que alguém (self) debatia comigo, em um grau de lucidez superior ao de um sonho comum: - O ego é a sombra do Self! Como assim? Me lembrei daquelas visôes xamânicas, de que somos o sonho de alguém. Ele dorme e vive em nós, nós dormimos e vivemos nele. Lembrei também daquele filme da F.I.M.O.S.E. com a Demi Moore, o "Paixões Paralelas", em que sonho e realidade dependem apenas do ponto de vista do observador. Mas SOMBRA? Sinceramente, me incomodou, faz sentido, ao mesmo tempo é simples demais para não ser refutável, e preferi vir discutir com vocês. Antes disso, falavamos no sonho sobre elementos da sombra, enquanto conteúdos que rejeitamos, e que passam a ter uma constituição psíquica própria. Olhando do nosso ponto de vista, é um arquétipo, uma estrutura comum à humanidade, presente em vários mitos, contos de fada, sonhos e religiões. Para Jung, o trabalho de sombras é uma questão de ordem moral. Na Igreja, os conteúdos rejeitados de nós mesmos são acumulados na figura de um "diabo", uma espécie de quartinhos dos fundos de NOSSA casa onde mantemos bem pertinho aquilo que trabalharemos depois, mas que é nosso, muito nosso, embora não queiramos vê-lo na sala de nossa casa. Quem trabalha a sombra com consciência não a abandona ou abre guerra contra ela. Sabe que são conteúdos seus, que precisam ser trabalhados da forma adequada, e com a devida orientação da consciência maior, para que esta possa ser integrada ao todo que somos. Já o EGO, olhando de nosso ponto de vista, é o um COMPLEXO, ou seja, uma agrupamento mais ou menos coerente e contínuo de conteúdos em torno de um núcleo comum. Por exemplo, um esquizofrênico perde seu ego por cindir a mente, e viver apenas uma parte de lembrança de cada vez, sem a complexidade estruturadora que o ego dá. Mas há outros complexos, como a idéia de PODER, ou de MULHER, ou de SUPERIORIDADE-INFERIORIDADE que cada um tem, a qual também reune crenças, impressões e vivências particulares. Poder para alguns brasileiros pode remeter a excessos econômicos, patrões autoritários, ditadura, corrupção ou conchavos de eleições; entretranto, para um americano médio (de antes da crise), evocava sucesso, reconhecimento democrático, capacidade de vencer. De certo modo, o complexo, como estrutura pessoal em torno de uma idéia, está para o indivíduo assim como o arquétipo está para o coletivo. O arquétipo é o complexo da coletividade, e o complexo é um estruturador "arquetípico" pessoal. Ora, se o arquétipo é possível, o coletivo constitui, de algum modo, um Ser, uma consciência maior. A voz do Self, que nos fala em sonhos em busca de nossa realização (individuação); algumas das vozes de Deus, que orientam indivíduos ao longo de sua vida; e a voz dos sonhos que pade o "holding" de Winnicott em busca do sonho maior que nos permitirá morrer; seriam todas vozes de um princípio consciente, por definição maior que o complexo que constitui o EGO. Para não adentrar em metafísica, teologia ou parapsicologia, admitimos que não temos consciência de qual seja a natureza (a não ser através de crenças), e que a este fator maior do inconsciente chamamos, estruturalmente, de "Self", "Si Mesmo" ou "Eu Maior". A novidade vem quando este Self me lembra em um flash de tudo isso que expus acima, e então me acorda no sonho para dizer: - O ego é a sombra do Self! "Como assim?", repito eu. Se isso faz algum sentido, é como dizer que nossa condição humana é mero trabalho de sombras dirigido; daí talvez a busca de sentido como vista por Winnicott, em que a vida na Terra se finda após o êxito numa capacidade realizada, para a qual todos os sonhos anteriores da vida nos orientaram. Nesse ponto de vista, olhado a partir do Self maior e não de "meu ego enquanto a maior maravilha do universo", uma série de conteúdos NEGADOS ao longo do desenvolvimento teria desenvolvido vida própria, ou pelo menos um núcleo comum. Isso explicaria, por exemplo, porque alguns dizem que reencarnamos para expiar erros passados. Ou a visão de Platão de que a alma retorna à Terra para se purificar sucessivamente, até atingir o Bem maior. Ou o mito da roda de Samsara dos orientais. Ao invés de sermos a imagem de Deus, a quase-perfeição materializada como nos vemos, aguardando apenas uma aprovação divina (ou um samadhi redentor, conforme a crença) para vivermos definitivamente ao lado de Deus (ou n´Eele, segundo a crença), sermos (nosso Ego) apenas a "sombra" de um Self maior implica em que arquétipos tem seu próprio núcleo comum, estruturador, que lhes dá um simulacro de vida. E isso implica sermos, cada um, talvez pequenos "complexos", núcleos do Self, que organizados coletivamente constituem uma espécie de arquétipo - e sombrio - de uma Consciência Maior. Me lembrei também de experiências em estado alterado de consciência, em que uma fração de consciência maior fazia com que eu me sentisse envergonhado em não viver de acordo com o que percebia naquele momento, de ter sido tão cético em alguns momentos (e tão crédulo em outros), das brigas em vão pelo pouco que eu podia perceber... E em todas as vezes que eu me preparava para o tal juizo severo, encontrava do lado de lá apenas Amor, Amor, Amor Maior; mães divinas, formas sem forma que me lembravam muito as imagens do Tarot de Crowley (a coincidência é tão grande que imagino que as figuras sejam tentativas de reprodução de seres das experiências místicas do artista), e todas as vezes, a idéia nunca era de repreensão, mas sim de acolhimento. Eu pensava ser o pior, e era recebido como o maior, ou seja, alguém que (como todos nós) fazia sempre o melhor possível a partir daquilo que poderia saber. Em outras palavras, aqueles seres e experiências para mim arquetípicas, aquele Amor Maior Que Gera Vida, agiam exatamente como se ELAS fossem o Eu Maior, a Vida, o Ser; e eu apenas um complicado e esperado processo psíquico que elas, amorosamente, precisariam reintegrar, respeitando profundamente nossos limites, compreendendo perfeitamente nossos "erros" (assim como compreendemos que a sombra é responsabilidade nossa), e nos orientando, na medida do possível, mas compreendendo também nosso grau de inconsciência e livre atuação. Seriamos nós os sonhos deles? E, pior, os sombrios? Será que o que chamamos de "eu" e que pensavamos ser o supra-sumo da vida é (somos) apenas o núcleo complexo e (parcialmente) inteligente que faz com que um arquétipo maior (como o da sombra) se estruture como tal? De que ser sonhamos em busca da individuação? Se há um sonho e sentido que nos permite morrer vivos, de onde vem o Sentido maior? Seria toda a nossa existência apenas mais um trabalho psíquico, na forma de um sonho sombrio, dos aspectos postergados que ainda impedem um deus de ser Deus? Quem vive nos meus sonhos enquanto durmo, e quem sonha a minha vida no acordar? Seria o nosso ego é apenas a sombra de um Self? -- Lázaro Freire lazarofreire@voadores.com.br
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