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>> Colunistas > CONTO: A Luz Publicado em: 04 de setembro de 2006, 16:04:56 - Lido 2591 vez(es) Seu corpo tremia e chacoalhava cada vez mais, como um velho trem em movimento que estivesse perdendo todos seus parafusos, um a um. Mesmo sabendo o que era aquilo, mesmo cansado de saber o que estava para acontecer, ele sentia uma pontinha de medo. Sim, sabia que não havia o que temer, mas nunca conseguia se dominar direito naquela hora. Só depois. Ah, depois... Depois que saia do corpo físico era tudo uma beleza... Uma enorme euforia tomava conta dele, seu corpo astral ganhava impulso e num instante partia, numa velocidade impossível, para lugares e aventuras inenarráveis... Ah, quantos lugares conhecera... Gente bonita, amável, daquelas que pareciam realmente se importar com as coisas... Até ajuda a espíritos mais elevados ele prestara, uma vez ou outra, em assuntos que já esquecera, mas que deviam ser de grande importância para o equilíbrio universal, disto ele tinha quase certeza... Mas agora seus corpos lutavam - o de luz tentando se desvencilhar, o de carne, ancorado na cama, fazendo de tudo para impedir o outro de sair. Ele, quer dizer, seu eu pensante, sua consciência, seu sei lá o que, já não sabia dizer onde estava... Em que lugar? Em que corpo? Não, não sabia dizer. Num ponto flutuante, talvez, entre o espírito e a matéria, ou bem além disso tudo... Sim, haviam as vibrações, mas não as sentia mais, apenas percebia as fortes reverberações que vinham delas. Aliás, sentir, não sentia mais nada... Era bom não sentir mais nada... Cama, dores, mundo... Isso... Deixar-se ir... Deixar que os últimos trancos do processo expulsassem sua alma para longe do corpo físico... Aí se veria em seu corpo de luz, seu lindo corpo de luz, e partiria voando, voando como um pássaro de prata, e era só isso que queria, agora... * * * Com a lanterna acesa, o policial vasculhava o abrigo de indigentes, alumiando a cara de cada homem e mulher ali deitados, à procura de um tal de Faísca. Incomodados, os mendigos reclamavam, gemiam, mas o homem não interrompia a busca, às vezes saltando por cima de corpos já revistados ou chapinhando pequenos riachos de urina, para alcançar um outro leito ou esteira. Houve um ruído seco, uma mulher gritou, por causa de algum pisão ou de um pesadelo. O policial praguejou, afastando o foco da lanterna da boca desdentada e babujenta de outro homem, mais um que não era o Faísca. A fraca lâmpada do galpão, que já não iluminava quase nada - um halo irrisório, apenas, só delineando vultos amontoados aqui e ali - estalou debilmente e apagou. O homem, passeando o feixe da lanterna, meio ao acaso, escolheu uma direção qualquer e dirigiu-se para lá. * * * Era de pura prata o riacho que cortava aquela grama verde, da mais verde que ele já havia visto. Crianças de faces afogueadas corriam e brincavam por ali, rindo e gritando alegremente. Mais além, pessoas vestindo leves túnicas de cores claras passeavam e conversavam, algumas de mãos dadas. Foi se aproximando, devagar, dominado por um forte sentimento de pertencer, de fazer parte daquilo, e era como uma nostalgia às avessas, uma coisa difícil de explicar, como aquilo que a gente sente quando volta pra casa, depois de passar muito tempo fora. É, finalmente estava voltando para casa... As pessoas sorriam para ele, algumas até erguiam os braços, surpresas e alegres com seu retorno. Ele sorria e acenava, desajeitado, e fazia força para não chorar. Um homem idoso, que ele sabia conhecer, veio se aproximando, sorridente, e era um líder, pois em seu peito, sob a longa barba branca, refulgia uma bela pedra preciosa - um diamante mágico, quem sabe, que parecia brilhar cada vez mais, emitindo uma luz muito clara, muito forte, uma luz forte demais... * * * Abriu os olhos e não viu nada, por causa da luz. Quer dizer, ver ele viu, mas só aquela luz toda e mais nada. E ouviu a praga de alguém que o segurava por um ombro, com brutalidade, e depois o largava, sozinho e de olhos abertos no escuro, porque ele não era o Faísca. Bene -- |
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